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Alemanha está resvalando para a direita?

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Jens Thurau
24 de dezembro de 2019

Sem dúvida que está, opina Jens Thurau. Mas é preciso ver o fenômeno no contexto de uma grande crise de legitimação da democracia. E existe também a outra Alemanha, e essa precisa dizer mais alto o que quer.

Em Berlim, a maior Hanuca do mundo. Mas judeus têm medo de ir à ruaFoto: picture-alliance/dpa/W. Kastl

Quando, também em 2019, se acenderam os candelabros do Hanuca para a festa das luzes judaica, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, emitiu uma mensagem de saudação: é um milagre, disse, que após a ruptura civilizatória do Shoá, o Holocausto, volte a haver vida judaica na Alemanha; um milagre por que "podemos ser profundamente gratos".

O quadro é bem outro, quando se conversa com concidadãos judaicos. Eles contam sobre agressividade crescente, que não têm mais coragem de andar pelas ruas com o quipá, a cobertura de cabeça judaica. E desde outubro gera horror o ato homicida de um jovem na cidade de Halle, que abateu a tiros dois transeuntes quaisquer, mas na verdade pretendia invadir uma sinagoga lotada, para lá cometer um assassinato em massa.

Após atos como esse, é grande a consternação. Políticos dizem que tal coisa não pode jamais se repetir. Por parte dos cidadãos de fé judaica, a reação é, antes, que há muito já esperavam essa perda de limites, e não se espantam com mais nada.

Quer dizer que a Alemanha está resvalando para a direita? Sem dúvida que está. A esperança de que a cada vez mais descarada orientação nacionalista dos populistas de direita da Alternativa para a Alemanha (AfD) fosse fazer recuar os eleitores foi destruída em todas as eleições estaduais deste ano.

Segundo pesquisadores, há anos existe na Alemanha um potencial de 15% a 20% dos cidadãos que estão abertos para ideologia de direita radical ou extrema. E há muito caiu o tabu social de que não se possa manifestar isso em público.

Muitas vezes são pequenas notícias que evidenciam a transformação gradual. Pais de uma escola da Saxônia, no Leste alemão, discordaram de seus filhos irem em excursão ao antigo campo de concentração de Buchenwald e, como preparação, ler na aula o Diário de Anne Frank. Ouvir algo assim faz subir um calafrio pela espinha.

Por outro lado, tudo isso se desenrola num contexto internacional, em que a Alemanha ainda faz figura relativamente boa. Na Itália um populista de direita chegou a ministro do Interior – ainda que, por enquanto, apenas temporariamente. Na Áustria, até pouco tempo atrás os populistas de direita compunham o governo federal.

No cerne, trata-se de uma maciça crise de legitimação das democracias ocidentais. Em meio à alta velocidade da globalização, os seres humanos perdem os alicerces e a visão do todo, e se refugiam em sonhos de um mundo compreensível, delimitado por fronteiras nacionais. Ele nunca existiu, mas parece atraente.

De fato, as democracias mal conseguem manter o passo com os acontecimentos, Seus processos decisórios são pesadões, os cidadãos esperam em vão por reformas verdadeiras no mundo do trabalho, na terceira idade, nos cuidados de saúde. A impotência de muitos é ainda maior por uma maioria da sociedade de fato participar do novo mundo das possibilidades digitais ilimitadas. Isso resulta numa cisão da sociedade: entre encima e embaixo, pobre e rico, digital e analógico, e, acima de tudo, entre cidade e campo.

O desencadeador central dessa dinâmica foi o grande número de refugiados chegados à Alemanha em 2015. Porém há muito o ressentimento contra os migrantes se alastrou, contra os estrangeiros residentes de longa data no país, contra membros da fé judaica. E, assim, como nos Estados Unidos, estabeleceu-se no país uma guerra cultural dos supostos párias contra o establishment – representado por políticos de todos os partidos, a mídia e, justamente, minorias de toda sorte, também judeus. Cada vez menos ocorre diálogo entre os grupos.

No palco político, o ponto decisivo será se as conservadoras União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU) continuarão resistindo a formar coalizões com a AfD. Na Saxônia-Anhalt, a governista CDU está em sério embate contra o número crescente de membros de sua base que se mostram perfeitamente abertos a esse tipo de alianças. Porém populistas de direita, com alas nacionalistas que agem abertamente e numerosos nazistas em seus quadros, não podem assumir responsabilidade de governar na Alemanha!

A maioria que segue defendendo uma sociedade aberta tem que estar pronta para lutar pela democracia com mais força e, acima de tudo, com mais barulho do que no passado. As leis, Constituições e também a organização das democracias só funcionam se são mantidas vivas pela sociedade.

Então, será que a Alemanha está resvalando para a direita? Uma parte dela, sim, definitivamente. O que já tem claros efeitos sobre a política: uma situação como no terceiro trimestre de 2015, quando tantos cidadãos deram boas-vindas aos refugiados, parece difícil de se imaginar, hoje em dia. Mas a outra Alemanha também existe: ela só precisa dizer mais alto o que quer.

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